Avaliação 360: muito barulho, pouco resultado

As avaliações 360 foram amplamente popularizadas nos anos 2000 e seguem incontestáveis até hoje. Mas, e se eu te disser que elas são inúteis para o que se propõem?

Primeiro, é importante falar sobre o que é a avaliação 360. Ela foi difundida nos processos de gestão de pessoas com o objetivo de elevar a autoconsciência dos profissionais. Funciona assim: cada profissional se autoavalia e escolhe os chamados “contribuidores”. Além do gestor imediato, esses contribuidores podem ser pares e outras interfaces no trabalho.

A ideia parece genial: com essa avaliação, você teria uma espécie de raio-X de como se vê e de como é visto e percebido pelos outros. Com isso, supostamente, estaria mais consciente de suas oportunidades de desenvolvimento e de suas fortalezas.

Passei por essas avaliações ao longo da minha carreira e, recentemente, lembrei como me sentia ao ouvir três profissionais que estou mentorando contarem sobre suas sensações após passarem por um processo de avaliação 360 graus. Uma me disse que precisaria de tempo para “digerir” o que leu; outra contou que sentiu muita raiva, refutando e justificando cada comentário. E lembrei que, na minha própria experiência, também experimentei sentimentos desagradáveis que não me ajudaram a expandir ou a me desenvolver.

O objetivo pretendido pelas áreas de RH é promover o desenvolvimento por meio de uma ação que leve à autoconsciência. Mas será que é realmente eficaz?

Levanto algumas razões para afirmar que essas avaliações são, na prática, inúteis:

1. A incapacidade de avaliar sem julgar

É muito comum que esses momentos sejam usados para “dar um recado” sobre algo que estava “engasgado”. Sabemos que as interações humanas são cheias de subjetividades, e tiramos conclusões com base em nossas próprias impressões. Uma das profissionais, por exemplo, relatou que recebeu uma avaliação dizendo que ela “parecia querer ajudar, mas ficava impaciente para ouvir as necessidades do outro”. Todos esses julgamentos, travestidos de avaliação, chegam embalados como se fossem uma oportunidade de desenvolvimento.

2. O efeito de ameaça no cérebro

Um aspecto ainda mais importante é a forma como esse processo é registrado pelo cérebro. Estudos sobre neurociência da liderança, de David Rock, mostram que o cérebro entra em estado de ameaça diante de sistemas de avaliação. Você pode ler mais sobre isso neste artigo.

O cérebro processa ameaças sociais da mesma forma que processa ameaças físicas. Nesse estado, o indivíduo colabora menos, reduz sua capacidade cognitiva e compromete a qualidade da tomada de decisão. Além disso, os aspectos negativos são percebidos mais rapidamente e permanecem por mais tempo do que os positivos. Isso explica por que uma das mentoradas que mencionei só capturou a parte sobre a “falta de paciência” e ignorou o reconhecimento de sua colaboração.

3. Sentimentos que travam o desenvolvimento

Em estado de ameaça, a pessoa experimenta sentimentos desagradáveis como raiva, medo, tristeza ou rancor. E são os sentimentos que definem como vamos nos comportar. Sentimentos agradáveis são as molas propulsoras de nossos comportamentos mais construtivos; os desagradáveis, ao contrário, nos bloqueiam.

Todas as profissionais que me relataram suas experiências com a avaliação 360 graus refutaram os feedbacks recebidos. E a própria escolha da palavra “digerir” já é reveladora: alimentos que precisam de tempo demais para serem digeridos correm o risco de serem eliminados sem que nenhum nutriente seja absorvido.

Um caminho mais eficaz para o desenvolvimento

Quer, de fato, desenvolver as pessoas na sua empresa? Crie espaços de aprendizagem onde cada indivíduo possa refletir sobre onde e por que precisa aprender algo, olhando para a própria trajetória e encontrando as suas próprias estratégias. A melhor forma de se desenvolver é tendo uma visão compassiva de si mesmo.

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