Sou uma grande observadora do mundo do trabalho e uma estudiosa dos comportamentos organizacionais.
Meu interesse por esse tema surgiu por volta dos anos 2000 e, desde então, ele tem moldado minha trajetória como profissional especializada em pessoas nas organizações.
Em 2003, iniciei um programa de mestrado cujo foco era juventude e trabalho. Entrevistando dezenas de jovens entre 21 e 31 anos, que estavam em suas primeiras experiências profissionais, ouvi relatos marcantes sobre como o trabalho era um elemento definidor de suas existências sociais.
Nos últimos anos, dediquei-me a estudar as transformações do trabalho, sempre influenciadas por crises econômicas, mudanças geracionais e o avanço das tecnologias.
Nos últimos 15 anos, porém, a transformação digital trouxe impactos ainda mais profundos. As organizações não só tiveram que adaptar processos internos para absorver novas tecnologias, como também aprender a dialogar com um mercado de consumo cada vez mais volátil e veloz.
Além disso, as empresas são constantemente atravessadas pelo que acontece na sociedade. Os pactos sociais, muitas vezes invisíveis, moldam a forma como cada indivíduo se percebe no contexto social — e essa percepção é inevitavelmente carregada para o ambiente organizacional.
Por isso, para entender os comportamentos organizacionais, mergulho antes na compreensão do que está acontecendo socialmente. Quais são os anseios das gerações atuais? Por que ainda falamos em questões geracionais com base no ano de nascimento, se todos nós estamos sendo impactados de forma tão intensa pela tecnologia? O que essas transformações dizem sobre autoaceitação, pertencimento e singularidade humana? Como nos relacionamos uns com os outros? E quais são nossas expectativas em relação ao trabalho, ao status e aos relacionamentos?
Um dos recursos que utilizo para ampliar minha compreensão são as artes. Recentemente, assisti ao filme Amores Materialistas, da cineasta Celine Song. À primeira vista, parece uma comédia romântica, mas é muito mais do que isso: a diretora nos convida a refletir sobre como os relacionamentos estão se moldando em tempos de matchmakers, aplicativos de relacionamento e listas de encontros perfeitos.
Hoje, temos um “cardápio” perfeito para tudo: para a comida, para a diversão — música, filmes, séries — e até para o amor.
Estudiosos contemporâneos, como o professor Sigmar Malvesi*, apontam que a adaptação das pessoas ao mundo contemporâneo é afetada por dois aspectos principais:
- A falta de segurança cognitiva, provocada pela dificuldade de distinguir o que é verdade, o que mina a confiança entre indivíduos.
- A falta de segurança afetiva, consequência da pressa que rege nosso tempo, reduzindo o espaço para a criação de vínculos afetivos e morais.
Saí do cinema refletindo sobre como essas mudanças no comportamento social impactam as organizações — e sobre quais estratégias estão sendo (ou deveriam estar sendo) construídas para lidar com elas.
O filme vale não só a pipoca, mas também a reflexão.
* Referência: episódio 43 “Corra Humano, Corra”, da Rádio Escafandro.
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